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Colapso do regime chinês é questão de tempo, diz líder muçulmana exilada

MARCELO NINIO WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Xinjiang, a maior e mais turbulenta província da China, fica a 10 mil quilômetros do silencioso escritório de Rebiya Kadeer, no centro de Washington. É desse pequeno espaço abarrotado de pastas e documentos

Da Redação

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Escrito por Da Redação
Publicado em 25.11.2015, 11:51:30 Editado em 27.04.2020, 19:54:48
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MARCELO NINIO
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Xinjiang, a maior e mais turbulenta província da China, fica a 10 mil quilômetros do silencioso escritório de Rebiya Kadeer, no centro de Washington.
É desse pequeno espaço abarrotado de pastas e documentos que ela lidera uma campanha improvável pela independência de seu povo, a etnia muçulmana uigur, que habita Xinjiang.
Kadeer, 68, ficou seis anos presa na China, acusada de promover o separatismo. Exilada nos EUA desde 2005, é considerada uma das maiores inimigas do Estado. Uma espécie de dalai-lama uigur.
Centenas de pessoas morreram em ataques ou confrontos nos últimos anos, e o Partido Comunista começou a impor restrições a costumes islâmicos em Xinjiang, como véus para mulheres e barbas longas para homens, culpando extremistas muçulmanos pela violência.
Segundo Kadeer, o que já era ruim ficou muito pior após a chegada ao poder do atual líder chinês, Xi Jinping, há três anos.
Além de discriminação contra os uigures em favor de chineses han, a etnia que compõe 90% da população do país, ela conta que Pequim intensificou a repressão contra a cultura local, chegando a interromper orações nas mesquitas.
"Xi Jinping adotou uma política brutal contra os dissidentes uigures", disse Kadeer à reportagem em seu escritório, decorado com uma grande bandeira azul do Turquistão Oriental.
É dessa forma que os uigures se referem a Xinjiang e foi com esse nome que o território teve um breve período de independência na década de 1930, antes de ser reanexado pela China comunista.
Kadeer não esconde que a aspiração é voltar à independência, mesmo reconhecendo que é uma luta árdua contra um Estado poderoso. Mas ela ousa prever que o autoritarismo do governo chinês acabará levando ao colapso do regime comunista.
"Não somos os únicos reprimidos. Em algum momento haverá uma luta interna, os chineses vão se levantar contra o regime e isso nos ajudará", diz.
VALOR ESTRATÉGICO
Sem o apelo pop do Tibete ou um líder com a influência do dalai lama, Xinjiang não tem o mesmo destaque na imprensa mundial. Mas, nos últimos anos, a província rica em minerais no noroeste da China tornou-se uma preocupação maior para o governo de Pequim do que o Tibete e alvo de crescente repressão.
Xinjiang é a maior província do país, com área equivalente à do Amazonas, e tem grande valor estratégico, por estar situada na fronteira com a Ásia Central. Além disso, é parte crucial da "nova Rota da Seda", o ambicioso projeto chinês de reviver a antiga rota comercial entre Oriente e Europa.
Inimiga pública na China hoje, a líder uigur tinha uma imagem bem diferente no país até ser presa, em 2000.
Empresária bem-sucedida, Kadeer fez fortuna em Xinjiang começando do zero. Aproveitando a abertura da economia chinesa no início dos anos 80 e a posição estratégica da província, construiu um conglomerado de importação e exportação e chegou a ser uma das cinco pessoas mais ricas do país.
Fez amigos poderosos, virou membro do Congresso chinês, mas caiu quando passou a usar sua posição com eloquência em defesa da autonomia uigur.
"Fui ingênua. O governo dizia que queria paz e harmonia e eu tentava ser uma ponte com os uigures, apresentava projetos para aumentar a integração. Mas as autoridades locais não me davam ouvidos e eu fui a Pequim reclamar com o governo central. Foi quando me prenderam", conta Kadeer, ajeitando a longa trança, que lhe bate na cintura.
Em seu período no cárcere, não sofreu violência física, afirma, mas abuso moral, "o que é muito pior". Kadeer conta que dezenas de detentos uigur foram torturados e mortos na sua frente e muitos nunca sequer souberam porque haviam sido presos.
Por pressão internacional, foi libertada em 2005 e buscou asilo nos EUA. Mãe de onze filhos, hoje vive no estado de Virginia, perto de Washington. Na capital americana, mantem o escritório do Congresso Mundial Uigur e tenta dar voz aos que ficaram.
Ela afirma que se sente segura nos EUA, apesar de saber que agentes secretos de Pequim agem em solo americano. O único incidente desde que chegou ocorreu em 2007. Um carro bateu duas vezes contra o seu, e Kadeer teve que ser hospitalizada.
Segundo ela, uma investigação do FBI indicou que o carro envolvido no acidente havia sido alugado pela Embaixada da China em Washington. Os chineses negaram envolvimento, e Kadeer nunca mais foi incomodada.
REFUGIADOS
Asfixiados econômica e socialmente, muitos uigures decidiram deixar a província rumo a outros países do Sudeste da Ásia e da Ásia Central, afirma Kadeer.
Embora em menor proporção, ela diz que é um drama comparável à onda de refugiados sírios que desembarcam na Europa. "Mais de 20 mil uigures deixaram seus lares nos últimos meses. A situação ficou intolerável", diz ela.
O governo chinês apertou o cerco em Xinjiang afirmando que radicais atuam na região, muitos deles após terem recebido treinamento do grupo terrorista Estado Islâmico (EI) na Síria e no Iraque.
Para Kadeer, Pequim usa o EI como pretexto para oprimir os uigures da mesma forma como há 14 anos usou os atentados do 11 de Setembro. Mas ela reconhece que há radicalização entre os uigures.
"É uma reação às políticas brutais dos chineses. Muitos perderam irmãos, pais, mães e partiram para a vingança. Não posso dizer que não há radicalização e terrorismo", afirma, acrescentando que "condena todo tipo de violência".
Nas paredes de seu escritório, Kadeer mantem fotos de seus encontros com políticos e autoridades mundiais. Conta que, desde sua chegada aos EUA, o apoio à causa uigur cresceu e que se encontrou com George W. Bush quando ele estava na Casa Branca e com Hillary Clinton, ex-secretária de Estado.
Gostaria de ter o apoio do Brasil, apesar da reticência do governo brasileiro em tocar na questão dos direitos humanos na China.
"É um erro achar que a relação econômica com a China será prejudicada se o Brasil falar de direitos humanos. Ao contrário: se o governo brasileiro receber líderes como eu e o dalai-lama, a relação pode até melhorar, pois dará uma vantagem ao Brasil na barganha", sugere Kadeer.

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